Avaliar a gravidade de doenças em pacientes críticos é uma tarefa essencial nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) do mundo inteiro. Mas os sistemas utilizados hoje são baseados em realidades locais e muitas vezes falham quando aplicados a contextos internacionais. Um artigo publicado na revista Critical Care Science, com participação do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), defende que a criação de um escore internacional é urgente para a pesquisa em medicina intensiva e para o avanço da saúde pública global.
Falar a mesma língua na UTI
Os chamados escores de gravidade são ferramentas clínicas que reúnem dados sobre o estado de saúde dos pacientes para estimar o risco de morte e orientar decisões médicas. Além disso, ajudam a comparar o desempenho entre UTIs, planejar recursos e avaliar resultados de estudos clínicos. Durante a pandemia de covid-19, por exemplo, esses escores foram amplamente utilizados para descrever perfis de pacientes, avaliar o impacto de tratamentos e monitorar a qualidade do atendimento em diferentes países.
No entanto, a maioria desses sistemas foi desenvolvida com base em populações de países de alta ou média renda, o que limita sua utilidade em contextos mais diversos. Questões como tipos de doenças predominantes, expectativa de vida e disponibilidade de exames laboratoriais variam bastante entre as regiões do mundo. Isso gera distorções importantes quando se tenta aplicar esses escores de forma global.
Desafios da comparação entre países
O artigo destaca que escores como SAPS 3 e APACHE IV, bastante usados em países ricos, podem ter seu desempenho comprometido em locais com menor acesso a exames ou com realidades epidemiológicas diferentes.
Além disso, muitos desses escores exigem variáveis clínicas e laboratoriais que não estão disponíveis em todos os contextos. Isso resulta em lacunas de dados nos países de baixa renda, onde a realidade da UTI é marcada pela escassez de recursos. O problema é agravado pela falta de padronização na forma como esses dados ausentes são reportados.
Uma proposta de solução global
Segundo os autores, a resposta está na construção de um escore internacional simplificado, baseado em um conjunto mínimo de dados que seja comum às UTIs em todo o mundo. Esses dados precisam ser fáceis de coletar, disponíveis na prática clínica cotidiana e, idealmente, independentes de tecnologias ou exames de difícil acesso.
A criação de um sistema global não tem como objetivo substituir os escores locais, que continuarão sendo úteis para pesquisas e políticas nacionais, mas oferecer uma base comum que permita a comparação entre diferentes países. Essa linguagem compartilhada da medicina intensiva traria benefícios não só para a ciência, mas também para a gestão de crises de saúde pública, como pandemias e desastres naturais.
Essa padronização facilitaria o monitoramento da gravidade de doenças infecciosas e ajudaria a prever a demanda por leitos de UTI, além de melhorar a representatividade dos estudos clínicos, já que seria possível comparar populações de diferentes países e revelar desigualdades, gerando dados para a criação de políticas mais eficazes.
Journal
Critical Care Science