Menos de 0,5% dos brasileiros com doença arterial seguem as orientações médicas no tratamento de sua doença
Estudo nacional revela falhas preocupantes no controle da aterotrombose no Brasil e alerta para a baixa incorporação de terapias eficazes na prática clínica
D'Or Institute for Research and Education
As doenças cardíacas continuam sendo a principal causa de morte no Brasil, com mais de 237 mil óbitos em 2024. Um estudo publicado no ano passado revela que mesmo entre os brasileiros diagnosticados com doenças arteriais, apenas uma parcela ínfima segue as recomendações completas de prevenção cardiovascular. Coordenada pelo Instituto de Pesquisa Hcor com participação do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), a iniciativa NEAT mostrou que apenas 0,3% dos pacientes com aterotrombose aderem a todas as boas práticas médicas para reduzir o risco de infartos e AVCs. Os resultados foram publicados na revista Scientific Reports, do grupo Nature, tendo como autor principal o Dr. Pedro Gabriel de Melo Barros (Hcor) e o Dr. Luiz Ritt (IDOR) entre os pesquisadores.
A ameaça silenciosa da aterotrombose
A aterotrombose é uma condição que afeta o sistema circulatório e se caracteriza pela formação de placas de gordura e coágulos nas artérias. Com o tempo, esses bloqueios podem impedir o fluxo adequado de sangue, levando a eventos graves como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC). Apesar da gravidade, o tratamento costuma se limitar a medicamentos e mudanças de estilo de vida — que nem sempre são seguidas pelos pacientes.
Para entender melhor como esses pacientes se comportam na realidade, pesquisadores do IDOR e de instituições parceiras desenvolveram o Network to Control Atherothrombosis (NEAT). O estudo é um registro prospectivo, observacional, nacional e multicêntrico — o primeiro do tipo focado em pacientes brasileiros com doença arterial coronariana (DAC) e/ou doença arterial periférica (DAP).
Entre setembro de 2020 e março de 2022, o NEAT reuniu dados de 2.003 pacientes em 25 centros de saúde espalhados pelas cinco regiões do Brasil, abrangendo tanto unidades públicas (56%) quanto privadas (44%). As informações foram coletadas de forma padronizada ao longo de um ano, prática conhecida para registro de dados em estudos de mundo real, em que os resultados refletem o que de fato acontece nos consultórios e hospitais, e não apenas o que é previsto em protocolos ideais ou em estudos clínicos controlados.
55,6% dos pacientes tinham apenas doença coronariana, 28,7% apresentavam doença arterial periférica isolada e 15,7% sofriam com ambas. A maioria era composta por homens (65,7%), com idade média de 66,3 anos.
Prevenção que quase ninguém segue
A principal meta do estudo era verificar quantos pacientes seguiam corretamente as recomendações médicas baseadas em evidências para reduzir seu risco cardiovascular. Essas práticas envolvem sete domínios: uso de medicamentos antitrombóticos, controle da pressão arterial, do colesterol e da glicemia, manutenção do peso corporal ideal, prática de atividade física e abandono do tabagismo.
Os resultados foram alarmantes. Apenas 0,3% dos participantes seguiam todas as recomendações, sendo que apenas 12,5% realizavam ao menos 150 minutos de exercício por semana e 8,6% atingiam a meta ideal de colesterol LDL (<55 mg/dL).
Por que as terapias não são seguidas?
Surpreendentemente, a principal barreira para a adoção dessas medidas não foi financeira, mas sim o julgamento médico. Em mais da metade dos casos, os profissionais simplesmente não prescreveram os tratamentos recomendados pelas diretrizes internacionais por não considerarem a indicação como rotina.
A chamada “inércia terapêutica” — quando o médico não adota novas práticas baseadas em evidências — foi identificada como um dos grandes obstáculos para o avanço da prevenção cardiovascular no Brasil.
Caminhos possíveis e urgentes
O NEAT expõe uma realidade preocupante, em que pacientes diagnosticados com doenças cardiovasculares não estão recebendo ou seguindo o tratamento adequado para evitar novos eventos. A adesão fragmentada aos tratamentos compromete seus resultados e aumenta a carga de doenças (e mortes) evitáveis no país.
“Grade parte dos estudos clínicos focam no desenvolvimento ou aplicação de novas terapias nas doenças cardiovasculares, mas estudos que busquem entender o hiato entre as evidências e suas aplicações práticas são necessários. O estudo NEAT mostrou esse hiato é real e que estratégias para fazer com que as evidências mais atuais e que podem salvar vidas possam ser aplicadas na prática são necessárias”, ressalta o Dr. Luiz Ritt.
Segundo os autores do estudo, uma abordagem mais abrangente e contínua, que combine educação médica, monitoramento de qualidade e incentivo a mudanças de comportamento, é urgente para mudar esse cenário. Estratégias populacionais em larga escala, integrando centros públicos e privados, podem ser decisivas para promover a prevenção e reduzir o impacto da aterotrombose no Brasil.
Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.
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